sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um conto de uma câmera que conta

REC!

Querem um conto interessante? Querendo ou não querendo, terão! Se vão ler ou não, cada um faz o que quiser. Vamos às apresentações. Ou melhor, alguns me conhecem, outros mais novos não... Mas eu conheço cada um. Falo isso para os alunos do projeto, meus amigos de muitas aventuras. Me apresento então: sou uma filmadora Sony 8mm e resolvi contar a história do Educacine. Sim, uma câmera filmadora vai contar a história! Algum problema? Alguma surpresa? Sem preconceitos... Vocês vão entender. Afinal sempre estive por perto...

O ano era 2006. O mês talvez tenha sido abril, não me recordo bem. Cheguei junto com Rodrigo Portella, meu senhor e cuidador da minha vida, em uma escola na cidade de Três Rios. Começava ali o projeto Educacine, ou, como era escrito naquele tempo, "É du cacine", separado e com acento. Passamos de sala em sala em busca de interessados para participar da novidade audiovisual na cidade e, um auditório lotado, lembro bem, foram formadas duas turmas para o curso. Eu trabalhava muito, toda terça e toda quinta lá estávamos eu e meu senhor, dando aula, ensinando enquadramentos, ouvindo Damien Rice. Era o início. Cada dia em uma sala diferente até que fomos dar aulas, eu e ele, no Sesc. No meio disso eu comecei a passar de mão em mão e conhecer um pessoal legal. Alex, Bruno, Carolina, Deise, ... acho que dá pra formar o alfabeto inteiro, hein. Participei de vários documentários: visitei clínica de apoio aos dependentes químicos, fui no conselho tutelar, praça, calçadão.. andamos muito! Algumas vezes saía aquela turma enorme de gente com camisa preta pelas ruas e eu registrando aquilo tudo. O tempo passou, um festival com aqueles documentários aconteceu. Foi nesse momento que o Edvaldo, agora Waldisney, apareceu e virou amigo da turma, vale lembrar. Aí começou a correria... E "Se correr o bicho pega" foi produzido. Não foi pelas minhas lentes cansadas, confesso, mas fui bem substituída, ainda assim estive lá o tempo todo, presente em todos os momentos... Se não fossem meus olhos cansados, aquele registro das lágrimas no final das gravações ficariam apenas para quem lá esteve. Foi o ano dos pescadores de ilusões.

No ano seguinte as coisas começam um pouco diferentes. Já não vou apenas no Walter Francklin. Conheci alunos de outras escolas. Isso mesmo, queridos, o projeto aumentou, ganhou novos integrantes vindos de outras escolas. Falo de 2007, fique claro. Nas aulas no Sesc fui de fundamental importância, ensinava enquadramentos novos, coisas interessantes para aquela gente nova. Surgiram umas tais vídeo-aulas querendo tomar meu lugar mas não conseguiram. Elas foram importantes sim, mas quando o pessoal ia pra rua, era comigo que tinham que sair. Por conhecer todos os alunos e passar na mão de muitos deles, vi que não foi um ano tão "quente" como no primeiro. Falo isso do ponto de vista do entrosamento da turma. Mas a galera animada produziu vários curtas. Alguns se atreveram a sozinhos produzirem ficções. Mais uma etapa alcançada e vencida. O alunos, aqueles que conheci no outro ano, passavam a ter mais segurança no que faziam e os novos logo começavam a sentir essa segurança também. No bom sentido do palavra, começaram a ficar atrevidos. Isso foi fundamental. Naquele ano comecei a ficar meio de lado, sei disso, só queriam saber de câmeras maiores. Tudo bem, se é para o bem de todos. E foi para o bem de todos.

Ano passado eu visitei 4 turmas diferentes. Uma em cada lugar da cidade. Conheci um Felipe e um Renan em um lugar, Karoline e Janine em outro, Iago e Crisany no Triângulo e o Aislan, hoje Waldisney, lá em Moura Brasil. Foram só alguns nomes, mas conheci muito mais. Depois de um tempo parei de ser usada de novo e a irmã grande com suas lentes foi lá em meu lugar gravar. Não estava lá mas assistia tudo de camarote. Gravação sobre pecados, dentro de um ônibus, jovens lavando um carro e teve até uma parte de vocês que achou que o mundo fosse acabar. Corrido e produtivo é como defino o ano. Na verdade é assim que defino todos os anos. Os grupos unidos, fortes e interessados em aprender. Ok, a maioria, melhor assim. O choque com relação ao ano vem de Moura Brasil, uma das meninas que passou pelas minhas lentes virou uma estrelinha, uma anjinha, e nos deixou. Cinema é isso, é igual à vida mesmo. Educacine é isso, aprendi também nessas aulas que escuto junto com vocês: podemos planejar tudo mas não somos os donos do tempo. As coisas podem mudar quando menos imaginamos. Foi assim naquele momento. Gente, o Educacine não ensina só enquadramentos e movimentos de câmera não, nem apenas atuação... é algo um pouco mais além que, estranhamente, alguns de vocês ainda não perceberam...

Bem, queridos, o ano de 2009 chegou e eu moro na Casa de Cultura. Fico lá, na estante e vejo os alunos passando por lá, aprendendo, fazendo planos, sonhando, imaginando, criando amizades. Vejo às vezes fortes discussões. Agora sim tenho certeza que esses alunos cresceram e ficaram verdadeiramente atrevidos no mesmo bom sentido anterior. Vi testes sendo feitos esse ano, exercícios de todas as turmas, a nova divisão das turmas, os grupos se dividindo para gravar documentários e agora o grupo se unindo pelo amarelo dos girassóis. Moro dentro de uma bolsa azul. Pode ser que agora esteja como a personagem principal do filme, não vejo nada com as minhas lentes nem reconheço tantos rostos como queria, mas conheço as vozes e já aprendi a emoção de cada fala. Escuto os gritos da Lays, as falas expressivas do Leandro, as gargalhadas doces das meninas atrizes, escuto o silêncio do Fred, o Bruno chamando o Waldisney, a implicância do Mayke com a Janine... Escuto tudo isso. Imagino tudo isso. Sinto tudo isso. Vejo tudo isso!

E depois disso chego à conclusão que o Educacine muda alguma coisa naquelas pessoas que por ali passam. Uma frase que vi no primeiro ano foi "A educação ensina a ler e escrever, mas só a cultura ensina a enxergar". Filmei aquilo e não esqueci mais. Parece que vocês estão entendendo... Vejo isso ainda que escondida ali, no armário. Aquele espírito do pescador de ilusões apareceu novamente. Com uma força maior ainda. E ali estou eu para registrar tudo isso e contar depois para quem não esteve. As ilusões virando realidade.

Sou uma câmera, faço parte da galera do cinema, minhas lentes são os olhos. E o Educacine escreve a história! O filme da vida de cada um que já tem esse capítulo reservado no dvd. Cada um sabe quando e como usar esse capítulo e tudo que ele pode oferecer. Sempre ficará alguma coisa. Com certeza. Sou uma câmera, sei o que falo, sei o que gravo.

Agora aguardo os girassóis de vocês. Que venham! Que girem! Busquem o sol! Estarei perto para registrar.

FIM... ou melhor: CORTA!


Ok, uma câmera não escreve... por isso ela me pediu pra escrever.
--Fred Nogueira--
Mas acreditem, foi ela que contou tudo isso. Essa é a mágica!